A palavra cicloturismo é formada pelos vocábulos “ciclo”, do grego kyklos, que significa roda e neste caso está claramente relacionada com a bicicleta (biciclo, duas rodas), e “turismo”, do latim tourns, cujo significado é viagem ou movimento de sair e retornar ao local de partida.
O turismo, tal como o conhecemos hoje, iniciou e se desenvolveu no século XIX, acompanhando o avanço do capitalismo na Europa Ocidental e na América do Norte. Depois das duas guerras mundiais, a atividade expandiu e diversificou. Uma das mais importantes definições de turismo foi dada pela Organização Mundial de Turismo, em 1993: “as atividades realizadas pelas pessoas durante viagens e permanência em lugares diferentes do seu local de residência habitual, por um período de tempo consecutivo inferior a um ano, para ócio, negócios e outras finalidades.” Esta definição é mais abrangente, pois concede importância ao deslocamento para algum lugar, desconsiderando os habituais (o deslocamento dos trabalhadores e estudantes, por exemplo), para diversos fins, englobando assim não apenas o turismo para descanso ou diversão, mas também o turismo de negócios, turismo de saúde, etc.
“Poderíamos dizer, então, que cicloturismo nada mais é que fazer turismo utilizando como veículo a bicicleta”, afirma Antonio Olinto Ferreira, que se formou em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, em 1990, e começou a pedalar para aliviar o peso das responsabilidades da profissão (e da barriga, típica dos executivos, que começava a crescer). Em 1993, Olinto deu a volta ao mundo de bicicleta, percorrendo 34 países durante três anos e meio. Hoje, é uma das figuras mais importantes do cicloturismo nacional.
“Desta forma, toda a responsabilidade do conceito está na palavra turismo. Vejamos: um paulistano pode fazer turismo em São Paulo e teoricamente poderá fazer cicloturismo em sua própria cidade ou arredores, entretanto, a meu ver, a melhor descrição para esta atividade seria passeio de bicicleta. Assim como o estado de espírito e a intenção diferenciam um turista que faz um circuito de A para B em bicicleta de um entregador de jornais que faz o mesmo trajeto, a relativa distância também faz a diferença entre um passeio de bicicleta e o cicloturismo, ou seja, além da diferença de enfoque do que se pretende ver, no cicloturismo a distância também é relevante e gera uma de suas principais características. Cicloturismo seria, então, melhor conceituado como uma viagem de bicicleta”, destaca Olinto.
Era uma vez...
Na história da bicicleta, percebe-se que a evolução desta invenção se deu visando o deslocamento, ou seja, a bicicleta evoluiu por ser considerada um meio de locomoção. Os primeiros projetos, como o celerífero criado pelo conde francês Sivrac, em 1790, eram brinquedos. Mas as adaptações que seguiram visavam suprir as necessidades de se locomover.
Um exemplo é o surgimento da draisiana, que nasceu através das adaptações feitas pelo barão alemão Karl Friederich Von Drais, em 1816. Um ano antes, o vulcão do Monte Tambora, na Indonésia, entrou em erupção e uma nuvem de cinzas alterou significativamente a incidência dos raios solares na Terra, causando devastação de lavouras e morte de pessoas e animais. Naquele tempo, o cavalo era um importante meio de locomoção, e sua população também se viu diminuída com as mudanças climáticas inesperadas. O “ano sem verão”, como ficou conhecido, pode ter incitado a necessidade de um veículo para substituir o cavalo e pode ter motivado a criação da draisiana, com a qual Von Drais percorreu um trajeto de cerca de 50 km entre Beaune e Dijon, na França.
Logo, falar em viagem de bicicleta deveria ser normal, já que ela é um veículo, ou seja, foi feita para viajar. Mas, com o surgimento dos outros veículos de locomoção, isso tornou-se aventureiro e anormal. “Quando as pessoas pensam em viajar, poucas pensam em fazê-lo tão devagar. Usar a bicicleta depende muito do per- fil do viajante e da aspiração de cada um. O que posso dizer é que a experiência de estar sobre uma bicicleta na estrada é o que faz a diferença. Não se viaja para chegar a um destino, e sim para desfrutar o caminho, lentamente”, define Thiago Fantinatti, cicloturista de Curitiba que realizou uma viagem de 365 dias pelo continente sul-americano, em 2009, o que rendeu o livro Trilhando Sonhos. Os três primeiros capítulos você pode acompanhar no site www.trilhasulamericana.com.br.
Por que viajar? E por que de bicicleta?
Viajar está relacionado com descobrir coisas novas. Pessoas curiosas buscam conhecer a novidade que há além das próprias limitações. É como Santo Agostinho declarou, “o mundo é um livro e aqueles que não viajam leem apenas uma página desse livro”. Ao contrário dos antigos desbravadores, que empreendiam grandes viagens para descobrir terras e pessoas exóticas de outras culturas, o ser humano de hoje, favorecido pela globalização e capacidade de trocar informações em tempo real de qualquer lugar do planeta, pratica o turismo, curioso para descobrir a si mesmo.
O termo da moda no turismo é o chamado turismo de experiência. De forma breve, trata-se de um conceito recente que sugere a integração do turista com os costumes do local que está visitando e a convivência próxima com os moradores da região. Uma iniciativa conhecida nesse sentido é a Acolhida na Colônia, uma associação integrada à Rede Accueil Paysan, que atua na França desde 1987, chegou a Santa Catarina em 1998 e cuja proposta é valorizar a vida no campo. As famílias de agricultores catarinenses recebem os turistas em sua casa para o convívio no dia a dia, compartilhando não só belos cenários para contemplação, mas também a própria história, cultura, atividades cotidianas, enfim, experiências. Turismo de experiência é isso: ir a Minas Gerais e degustar um bom pão de queijo feito pelas próprias mãos, ou viajar para o Rio Grande do Sul, na região de uvas e vinhos, para vivenciar o cotidiano de uma vinícola familiar.
Essa experiência de viver um cotidiano diferente sempre ensina e elucida coisas sobre nós mesmos. Em oposição ao sentimento de necessidade material e compreensão racional que vivenciamos, principalmente no âmbito profissional, buscar por valores imateriais, emocionais e experimentais refletem em qualidade de vida, pois conferem equilíbrio e plenitude, especialmente nas relações pessoais (consigo mesmo) e sociais (com os outros e o ambiente). Experiência, do latim experientia, proveniente do verbo experiri (experimentar), é definido como prática de vida e conhecimento que nos é transmitido pelos sentidos. Ora, o veículo que proporciona a maior integração do turista com a região visitada e seus moradores e que permite não só contemplar, mas também experimentar e vivenciar cada momento da viagem, é a bicicleta.
“Toda vez que subo em uma bicicleta, me pergunto quando foi a última vez que eu fiz alguma coisa pela primeira vez? E esse prenúncio do novo fica martelando a cuca, fortalecendo a vontade de ir aonde os outros não vão”, confessa Renato Cabral, cicloturista de Uberlândia, que aconselha, ainda: “entre sonhar e partir, fique com o segundo. Qualquer sonho sem um passo é só um delírio, mas se você der o primeiro, já não precisa sonhar. E ao partir você descobre também que tudo o que sempre disseram sobre o mundo estava errado. Quando é você que está lá, tudo ganha um olhar novo. Então, dispare. Vá atrás dessa sensação inexplicável de que há algo intocável no ar. Algo para o qual não há resposta possível. Experimente começar, viver esse mistério e daí você compreenderá aquilo pelo qual os olhos, como as estrelas no céu, nunca deixam de brilhar. Daí você finalmente encontrará parte desse outro que perseguimos desde criança. Porque se você não for, ninguém irá por você”.
O turismo e o uso da bicicleta são duas atividades crescentes e prazerosas. Unidas, formam o clímax do chamado cicloturismo. A bike, por si só, já representa uma “viagem no tempo” de retorno à praticidade e de encontro a uma vida mais natural. Para Pedro Marcon Neto, 67 anos, ciclista de Porto Alegre, “a bicicleta te dá a sensação de liberdade, evita o trânsito, melhora o condicionamento físico, e com ela tu tens acesso a caminhos que um carro não tem. Tu te sentes um nômade com seu cavalo, indo para onde quiser. Acampa com a barraca, toma banhos de rio ou lagoa, e é bem recebido onde chega. Tudo é mais simples e prazeroso”.
Na solidão da estrada, a experiência transcende a vivência daquele local. “Enquanto desloca-se, medite, analise, imagine. Use a sua mente. Viaje para não se limitar apenas em passar, em habitar, em existir, em estar. Viaje para viver e estar consciente de estar vivo”, reflete Edgardo Jorge Sanrame, argentino de Córdoba. “A vida passa, transcorre inevitavelmente. Tudo se assemelha, tão somente há pequenas variações na estrutura e no tempo. Versões de uma rotina que consolidamos, num sentido material: tangível de existência, segurança e estabilidade financeira. Deixar tudo isso é difícil, mas experimente. Troque o penteado de sempre por cabelos sem ordem, modelados pelo vento do caminho, numa viagem de bicicleta”, finaliza.
Therbio Felipe Cezar, escritor e professor universitário, afirma que “ao praticar cicloturismo nos apresentamos em busca e não em fuga. E não há receitas para esta prática, ainda que existam orientações e métodos de seguir um roteiro ou circuito pré-estabelecido, o que assegura uma experiência com imprevistos menos dolosos, além de uma cicloviagem com sugestões valorosas de outros companheiros de caminho. O cicloturismo é um dos mais pacíficos e românticos movimentos socioculturais das últimas décadas e um dos maiores promotores de minimização do abismo entre os diferentes, de positivas transformações atuais e futuras”.
O cicloturismo herda, também, todos os benefícios que a bicicleta representa. É uma forma de turismo sustentável, pela mínima interferência, não poluição atmosférica e sonora. É, como vimos, um turismo de experiência, pois permite o máximo envolvimento social, de forma justa e agradável. Para o turista, viajar de bicicleta é sentir-se livre, um verdadeiro habitante do mundo, sem cercas que separem os quintais, sem ser dono de nada e, ao mesmo tempo, sabendo que tudo o pertence e existe para ser usufruído.
(Edgardo Jorge Sanrame)
Revista Bicicleta por Anderson Ricardo Schörner
42.371 visualizações
Shutterstock
Uma viagem é muito mais que um destino. Há o percurso, tão ou até mais importante. Desfrutá-lo é uma arte para os que praticam o cicloturismo. Em uma viagem de bicicleta, todo lugar é vivenciado em esplendor, e a recepção é calorosa. “Acabei de descobrir essa paixão”, revela Marco Martins, mineiro de Belo Horizonte que recentemente encarou o desafio de conhecer a Suíça de bicicleta. “Viajar sempre encanta por conta da novidade do local e por ser um momento de lazer. Com a bicicleta, você conhece muito mais e as pessoas ficam muito mais receptivas a uma turma viajando de bike, que uma turma viajando dentro de um carro. O que me fez decidir viajar de bike foi justamente o fato de querer conhecer outro país de leste a oeste, cada centímetro, reparar nas casas, nas pessoas, como eles vivem no dia a dia, e não conhecer só os points e os aeroportos”.
Deparar-se com situações inusitadas, diferente daquelas do cotidiano, conhecer novas pessoas... Cruzar fronteiras expande nosso conhecimento de mundo e de nós mesmos. Sempre realizamos uma partilha justa com o caminho e seus peregrinos, e lucramos igualmente com isso. Expandir os horizontes, não só geográficos mas também da mente, é a recompensa para quem não se acomoda em ficar, e parte.
Mas afinal, o que é cicloturismo?
A palavra cicloturismo é formada pelos vocábulos “ciclo”, do grego kyklos, que significa roda e neste caso está claramente relacionada com a bicicleta (biciclo, duas rodas), e “turismo”, do latim tourns, cujo significado é viagem ou movimento de sair e retornar ao local de partida.
O turismo, tal como o conhecemos hoje, iniciou e se desenvolveu no século XIX, acompanhando o avanço do capitalismo na Europa Ocidental e na América do Norte. Depois das duas guerras mundiais, a atividade expandiu e diversificou. Uma das mais importantes definições de turismo foi dada pela Organização Mundial de Turismo, em 1993: “as atividades realizadas pelas pessoas durante viagens e permanência em lugares diferentes do seu local de residência habitual, por um período de tempo consecutivo inferior a um ano, para ócio, negócios e outras finalidades.” Esta definição é mais abrangente, pois concede importância ao deslocamento para algum lugar, desconsiderando os habituais (o deslocamento dos trabalhadores e estudantes, por exemplo), para diversos fins, englobando assim não apenas o turismo para descanso ou diversão, mas também o turismo de negócios, turismo de saúde, etc.
“Poderíamos dizer, então, que cicloturismo nada mais é que fazer turismo utilizando como veículo a bicicleta”, afirma Antonio Olinto Ferreira, que se formou em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, em 1990, e começou a pedalar para aliviar o peso das responsabilidades da profissão (e da barriga, típica dos executivos, que começava a crescer). Em 1993, Olinto deu a volta ao mundo de bicicleta, percorrendo 34 países durante três anos e meio. Hoje, é uma das figuras mais importantes do cicloturismo nacional.
“Desta forma, toda a responsabilidade do conceito está na palavra turismo. Vejamos: um paulistano pode fazer turismo em São Paulo e teoricamente poderá fazer cicloturismo em sua própria cidade ou arredores, entretanto, a meu ver, a melhor descrição para esta atividade seria passeio de bicicleta. Assim como o estado de espírito e a intenção diferenciam um turista que faz um circuito de A para B em bicicleta de um entregador de jornais que faz o mesmo trajeto, a relativa distância também faz a diferença entre um passeio de bicicleta e o cicloturismo, ou seja, além da diferença de enfoque do que se pretende ver, no cicloturismo a distância também é relevante e gera uma de suas principais características. Cicloturismo seria, então, melhor conceituado como uma viagem de bicicleta”, destaca Olinto.
Era uma vez...
Na história da bicicleta, percebe-se que a evolução desta invenção se deu visando o deslocamento, ou seja, a bicicleta evoluiu por ser considerada um meio de locomoção. Os primeiros projetos, como o celerífero criado pelo conde francês Sivrac, em 1790, eram brinquedos. Mas as adaptações que seguiram visavam suprir as necessidades de se locomover.
Um exemplo é o surgimento da draisiana, que nasceu através das adaptações feitas pelo barão alemão Karl Friederich Von Drais, em 1816. Um ano antes, o vulcão do Monte Tambora, na Indonésia, entrou em erupção e uma nuvem de cinzas alterou significativamente a incidência dos raios solares na Terra, causando devastação de lavouras e morte de pessoas e animais. Naquele tempo, o cavalo era um importante meio de locomoção, e sua população também se viu diminuída com as mudanças climáticas inesperadas. O “ano sem verão”, como ficou conhecido, pode ter incitado a necessidade de um veículo para substituir o cavalo e pode ter motivado a criação da draisiana, com a qual Von Drais percorreu um trajeto de cerca de 50 km entre Beaune e Dijon, na França.
Logo, falar em viagem de bicicleta deveria ser normal, já que ela é um veículo, ou seja, foi feita para viajar. Mas, com o surgimento dos outros veículos de locomoção, isso tornou-se aventureiro e anormal. “Quando as pessoas pensam em viajar, poucas pensam em fazê-lo tão devagar. Usar a bicicleta depende muito do per- fil do viajante e da aspiração de cada um. O que posso dizer é que a experiência de estar sobre uma bicicleta na estrada é o que faz a diferença. Não se viaja para chegar a um destino, e sim para desfrutar o caminho, lentamente”, define Thiago Fantinatti, cicloturista de Curitiba que realizou uma viagem de 365 dias pelo continente sul-americano, em 2009, o que rendeu o livro Trilhando Sonhos. Os três primeiros capítulos você pode acompanhar no site www.trilhasulamericana.com.br.
Por que viajar? E por que de bicicleta?
Viajar está relacionado com descobrir coisas novas. Pessoas curiosas buscam conhecer a novidade que há além das próprias limitações. É como Santo Agostinho declarou, “o mundo é um livro e aqueles que não viajam leem apenas uma página desse livro”. Ao contrário dos antigos desbravadores, que empreendiam grandes viagens para descobrir terras e pessoas exóticas de outras culturas, o ser humano de hoje, favorecido pela globalização e capacidade de trocar informações em tempo real de qualquer lugar do planeta, pratica o turismo, curioso para descobrir a si mesmo.
O termo da moda no turismo é o chamado turismo de experiência. De forma breve, trata-se de um conceito recente que sugere a integração do turista com os costumes do local que está visitando e a convivência próxima com os moradores da região. Uma iniciativa conhecida nesse sentido é a Acolhida na Colônia, uma associação integrada à Rede Accueil Paysan, que atua na França desde 1987, chegou a Santa Catarina em 1998 e cuja proposta é valorizar a vida no campo. As famílias de agricultores catarinenses recebem os turistas em sua casa para o convívio no dia a dia, compartilhando não só belos cenários para contemplação, mas também a própria história, cultura, atividades cotidianas, enfim, experiências. Turismo de experiência é isso: ir a Minas Gerais e degustar um bom pão de queijo feito pelas próprias mãos, ou viajar para o Rio Grande do Sul, na região de uvas e vinhos, para vivenciar o cotidiano de uma vinícola familiar.
Essa experiência de viver um cotidiano diferente sempre ensina e elucida coisas sobre nós mesmos. Em oposição ao sentimento de necessidade material e compreensão racional que vivenciamos, principalmente no âmbito profissional, buscar por valores imateriais, emocionais e experimentais refletem em qualidade de vida, pois conferem equilíbrio e plenitude, especialmente nas relações pessoais (consigo mesmo) e sociais (com os outros e o ambiente). Experiência, do latim experientia, proveniente do verbo experiri (experimentar), é definido como prática de vida e conhecimento que nos é transmitido pelos sentidos. Ora, o veículo que proporciona a maior integração do turista com a região visitada e seus moradores e que permite não só contemplar, mas também experimentar e vivenciar cada momento da viagem, é a bicicleta.
“Toda vez que subo em uma bicicleta, me pergunto quando foi a última vez que eu fiz alguma coisa pela primeira vez? E esse prenúncio do novo fica martelando a cuca, fortalecendo a vontade de ir aonde os outros não vão”, confessa Renato Cabral, cicloturista de Uberlândia, que aconselha, ainda: “entre sonhar e partir, fique com o segundo. Qualquer sonho sem um passo é só um delírio, mas se você der o primeiro, já não precisa sonhar. E ao partir você descobre também que tudo o que sempre disseram sobre o mundo estava errado. Quando é você que está lá, tudo ganha um olhar novo. Então, dispare. Vá atrás dessa sensação inexplicável de que há algo intocável no ar. Algo para o qual não há resposta possível. Experimente começar, viver esse mistério e daí você compreenderá aquilo pelo qual os olhos, como as estrelas no céu, nunca deixam de brilhar. Daí você finalmente encontrará parte desse outro que perseguimos desde criança. Porque se você não for, ninguém irá por você”.
O turismo e o uso da bicicleta são duas atividades crescentes e prazerosas. Unidas, formam o clímax do chamado cicloturismo. A bike, por si só, já representa uma “viagem no tempo” de retorno à praticidade e de encontro a uma vida mais natural. Para Pedro Marcon Neto, 67 anos, ciclista de Porto Alegre, “a bicicleta te dá a sensação de liberdade, evita o trânsito, melhora o condicionamento físico, e com ela tu tens acesso a caminhos que um carro não tem. Tu te sentes um nômade com seu cavalo, indo para onde quiser. Acampa com a barraca, toma banhos de rio ou lagoa, e é bem recebido onde chega. Tudo é mais simples e prazeroso”.
Na solidão da estrada, a experiência transcende a vivência daquele local. “Enquanto desloca-se, medite, analise, imagine. Use a sua mente. Viaje para não se limitar apenas em passar, em habitar, em existir, em estar. Viaje para viver e estar consciente de estar vivo”, reflete Edgardo Jorge Sanrame, argentino de Córdoba. “A vida passa, transcorre inevitavelmente. Tudo se assemelha, tão somente há pequenas variações na estrutura e no tempo. Versões de uma rotina que consolidamos, num sentido material: tangível de existência, segurança e estabilidade financeira. Deixar tudo isso é difícil, mas experimente. Troque o penteado de sempre por cabelos sem ordem, modelados pelo vento do caminho, numa viagem de bicicleta”, finaliza.
Therbio Felipe Cezar, escritor e professor universitário, afirma que “ao praticar cicloturismo nos apresentamos em busca e não em fuga. E não há receitas para esta prática, ainda que existam orientações e métodos de seguir um roteiro ou circuito pré-estabelecido, o que assegura uma experiência com imprevistos menos dolosos, além de uma cicloviagem com sugestões valorosas de outros companheiros de caminho. O cicloturismo é um dos mais pacíficos e românticos movimentos socioculturais das últimas décadas e um dos maiores promotores de minimização do abismo entre os diferentes, de positivas transformações atuais e futuras”.
O cicloturismo herda, também, todos os benefícios que a bicicleta representa. É uma forma de turismo sustentável, pela mínima interferência, não poluição atmosférica e sonora. É, como vimos, um turismo de experiência, pois permite o máximo envolvimento social, de forma justa e agradável. Para o turista, viajar de bicicleta é sentir-se livre, um verdadeiro habitante do mundo, sem cercas que separem os quintais, sem ser dono de nada e, ao mesmo tempo, sabendo que tudo o pertence e existe para ser usufruído.
“Viajar o Japão inteiro de bicicleta? Há quem diga ser loucura; discordo totalmente”, relata Wilton Mitsuo Miwa, fotógrafo e cicloturista de Sorocaba, atualmente no Japão, que finaliza: “loucura é ter um sonho e não tentar realizá-lo... Neste exato momento estou correndo atrás de mais um sonho e vou pedalando. Não acredito em grandes realizações sem grandes jornadas”. Entre a serra ou o mar, um roteiro romântico ou aventureiro, uma viagem sozinho ou em grupo, passando por centros históricos ou estradas interioranas, todo cicloturista sabe exatamente o porquê de estar viajando. E o porquê desta viagem ser de bicicleta.
Descubra, também, a sua jornada
FONTE: Revista Bicicleta